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TRANSCRIÇÃO DO PODCAST
No episódio de hoje de Relatos – A Estação da História, vamos falar de
Daniel Anthony Mitrione, o Dan Mitrione, figura controversa da política externa dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Ex-policial local no estado de Indiana e posteriormente agente do FBI, Mitrione tornou-se um dos principais instrutores de forças de segurança na América Latina na condição de funcionário da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), vinculado ao Gabinete de Segurança Pública (na sigla em inglês, OPS).
O trabalho de Dan Mitrioni, inicialmente apresentado como “assistência técnica” para modernizar polícias locais, foi marcado por acusações de envolvimento em métodos de repressão e tortura, especialmente no Brasil (pós-1964) e no Uruguai (1969-1970).
Em 1960, Mitrione chegou ao Brasil, onde atuou como instrutor de polícias em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.
Documentos desclassificados, como os analisados pelo National Security Archive, revelam que o OPS ao qual Mitrione estava vinculado treinou milhares de policiais latino-americanos em métodos de “contrainsurgência”, muitos dos quais incluíam vigilância, interrogatório coercitivo (com tortura) e controle de manifestações.
Com o golpe, Mitrione colaborou com o regime militar instaurado em 1964, período em que a repressão política se intensificou. Relatos de ex-agentes e sobreviventes, assim como investigações posteriores, sugerem que técnicas como choques elétricos e simulações de afogamento foram ensinadas a militares e policiais, embora Mitrione sempre negasse publicamente o treinamento em técnicas de tortura.
Transferido para o Uruguai em 1969, Mitrione assumiu um papel central na assessoria ao governo de Jorge Pacheco Areco, que enfrentava a guerrilha urbana dos Tupamaros. De acordo com documentos da CIA e telegramas diplomáticos (disponíveis em arquivos como o Foreign Relations of the United States), Mitrione coordenou treinamentos para a polícia uruguaia, incluindo cursos de “interrogatório eficaz”.
Em 31 de julho de 1970, Dan Mitrione foi sequestrado pelos Tupamaros, que o acusaram de ser “um técnico da tortura a serviço do imperialismo”. Após 11 dias de negociações fracassadas, Mitrione foi executado. Os sequestradores queriam a libertação de 150 presos políticos, exigência recusada pelo governo uruguaio. Sua morte foi fortemente condenada pelo governo dos EUA, que o descreveu como um “funcionário humanitário”, mas grupos de direitos humanos e organizações latino-americanas o apontaram como símbolo da intervenção norte-americana.
Documentos desclassificados revelaram que, durante o sequestro de Mitrione pelos Tupamaros, a administração Nixon sugeriu ao governo uruguaio ameaçar a vida de militantes políticos presos, como Raúl Sendic, e suas famílias, caso Mitrione fosse morto. Em telegrama ao embaixador norte-americano em Montevidéu, o então secretário de Estado William Rogers disse: “Nós presumimos que o governo do Uruguai considerou o uso de ameaça para matar Sendic e outros prisioneiros-chave da MLN se Mitrione for morto. Se isso não foi considerado, você deve levantar o assunto com o governo do Uruguai imediatamente”. Essa estratégia visava pressionar os sequestradores para libertarem Mitrione.
Após a execução de Mitrione, registros indicam que o governo do Uruguai acionou esquadrões de morte em operações contra os Tupamaros, com conhecimento dos Estados Unidos.
Arquivos desclassificados, como os citados no relatório “CIA Activities in Latin America” (1998), indicam que o OPS mantinha estreitos laços com regimes autoritários, fornecendo equipamentos e treinamentos que facilitaram a repressão.
Em um memorando de 1968, um oficial da USAID admitiu que cursos da instituição incluíam “interrogatórios sob estresse”.
Além disso, o livro “Operação Condor: Uma História Secreta” (2004), baseado em documentos desclassificados, menciona Mitrione como parte de uma rede de colaboração entre EUA e ditaduras.
A trajetória de Mitrione ilustra o paradoxo da política dos EUA na América Latina: projetos de “desenvolvimento” que mascaram apoio a regimes repressivos.
Enquanto o governo norte-americano insiste em sua narrativa de “promoção da democracia”, historiadores como Martha Huggins (autora de “Political Policing”) e Alfred McCoy (que estudou o vínculo entre CIA e tortura) destacam que o OPS foi desmantelado em 1974 após investigações do Congresso dos EUA revelarem seu papel em violações de direitos humanos.
A trajetória de Dan Mitrione exemplifica a complexa e controversa política externa dos Estados Unidos na América Latina durante a Guerra Fria. Sua atuação, associada às práticas repressivas, levanta questões sobre os limites éticos da intervenção estrangeira em assuntos internos de nações soberanas. A análise de documentos desclassificados enriqueceu a compreensão desse período, evidenciando as consequências dessas políticas na região.
Se você gostou desse episódio, compartilhe com amigos. Se quiser comentar a política dos Estados Unidos para América Latina durante a Guerra Fria, entre em relatos.blog.br e deixe sua opínião. Até o próximo episódio!

Estou conhecendo os Relatos agora, acabo de ler e ouvir todos os episódios. Excelentes! Vou divulgar para os amigos, e espero que muitos outros façam o mesmo. O Brasil precisa saber!
Obrigado, João Carlos.
Muito bom! Ouvi o podcast. Pretendo ouvir (ou ler) as outras matérias.
Obrigado, Rubens.
Muito, muito, muito bom Djalba! Parabéns! Muito oportuna a matéria, uma vez que o secretário de defesa do Trump andou dizendo que “precisamos recuperar o nosso quintal” , se referindo à América Latina. Precisamos hoje, mais do que nunca, botar esses ” Mitriones” pra correr! Viva a nossa Democracia! Excelente material. Irei divulgar entre os meus.
Obrigado, Mariosan.