EUA mantiveram escola de tortura para a América Latina

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No papel, uma escola de cooperação dos Estados Unidos com outras nações. Na prática, uma escola de tortura para extrair confissões de dissidentes políticos? Ouça o episódio de hoje de Relatos – A Estação da História e tire suas conclusões sobre algo muito grave que aconteceu durante muito tempo na América Latina.
A Escola das Américas (S O A, na sigla em inglês), criada em 1946 pelo Exército dos Estados Unidos no Panamá e transferida em 1984 para Fort Moore, na Geórgia (Estados Unidos), foi um centro de treinamento militar que se tornou símbolo da intervenção norte-americana na América Latina na Guerra Fria, nos anos 1960 e 1970.

Os registros indicam que o objetivo original era treinar forças militares aliadas dos Estados Unidos para combater insurgências e fortalecer governos pró-ocidentais. Em 1960, os norte-americanos tornaram mais claros os objetivos da Escola das Américas: “formação de contrainsurgência anticomunista”.

Documentos desclassificados por Washington e relatos históricos revelam que a instituição foi associada ao ensino de métodos de repressão, tortura e “interrogatórios eficazes” – instrumentos utilizados por regimes autoritários contra opositores políticos.

Um senador norte-americano, o democrata Martin Meehan, de Massachusetts, declarou certa vez: “Se a Escola das Américas decidisse celebrar uma reunião de ex-alunos, reuniria alguns dos mais infames e notórios malfeitores do hemisfério”.

Veja uma lista resumida dessas “figuras notórias” que estudaram na Escola das Américas: os ditadores Manuel Noriega (Panamá), Leopoldo Galtieri (Argentina), Hugo Banzer (Bolívia), Efraim Rios Montt (Guatemala) e Omar Torrijos (Panamá), além de oficiais envolvidos em massacres como o de El Mozote (em El Salvador, 1981). Do Brasil, o mais famoso aluno da Escola das Américas foi o brigadeiro João Paulo Penido Burnier, apontado pelo também brigadeiro Eduardo Gomes como “um insano mental inspirado por instintos perversos e sanguinários, sob o pretexto de proteger o Brasil do perigo comunista”. Burnier foi responsabilizado por vários desaparecimentos forçados durante a ditadura militar.

A controvérsia em torno da Escola das Américas ganhou força na década de 1990, quando documentos desclassificados do Pentágono revelaram que ela utilizou manuais de treinamento que ensinavam técnicas de interrogatório baseadas em tortura psicológica e física. Esses manuais continham instruções similares às do Kubark, produzidos pela CIA na década de 1960 para treinar seus agentes em técnicas de interrogatório e contrainsurgência. O termo “Kubark”, um codinome da própria CIA na época, é amplamente relacionado com métodos e práticas de tortura.

Um relatório do Departamento de Defesa dos EUA, divulgado em 1996, confirmou que esses manuais instruíam alunos a aplicar “pressão extrema”, incluindo chantagem, choques elétricos, execuções simuladas, privação de sono, isolamento e ameaças a familiares de detidos. Um trecho de um manual afirmava: “O interrogador deve controlar o ambiente para criar uma sensação de impotência no prisioneiro”.

Essas práticas foram justificadas como parte da “luta contra a subversão”, mas acabaram sendo usadas para perseguir não apenas guerrilheiros, mas civis, sindicalistas, estudantes e religiosos em países como Brasil, Guatemala, El Salvador, Chile e Argentina. O caso mais emblemático foi o do Batalhão 3-16 em Honduras, cujos membros – treinados na SOA – sequestraram, torturaram e assassinaram centenas de opositores nos anos 1980.

Organizações como Anistia Internacional e Human Rights Watch denunciaram repetidamente o vínculo entre a escola e violações sistemáticas de direitos humanos. Em 2000, o The New York Times publicou uma investigação apontando que, dos 246 alunos hondurenhos treinados na SOA entre 1982 e 1995, a maioria integrava o Batalhão 3-16.

A pressão de ativistas levou ao fechamento da escola em 2001 e à sua substituição pelo Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança. O governo dos EUA argumentou que a nova instituição priorizaria “direitos humanos e ética militar”, mas críticos apontam que o currículo mantém focos semelhantes aos do passado.

A Escola das Américas personifica o paradoxo da política de segurança dos Estados Unidos na região: enquanto promovia retoricamente a democracia, fornecia ferramentas para sua destruição. Para sobreviventes de ditaduras e familiares de vítimas, a SOA é um símbolo de impunidade, já que poucos graduados foram julgados por crimes contra a humanidade.

Documentos desclassificados, como os publicados pelo National Security Archive, reforçam a tese de que a escola foi parte de uma estratégia mais ampla de apoio a regimes autoritários. Como observou o escritor uruguaio Eduardo Galeano: “A Escola das Américas ensinou mais a torturar do que a combater”. Seu legado permanece como uma ferida aberta na memória da América Latina, lembrando que a luta contra o terrorismo de Estado exige justiça e verdade.

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