Lição da História: golpistas no poder não cumprem promessas

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Bem-vindos a Relatos – A Estação da História. Hoje vamos mostrar um fato curioso: golpe de estado que começa com pretexto de livrar o país de algum tipo de autoritarismo cai exatamente no abismo que promete evitar. Portanto, não confiem em boas intenções de golpistas. A lição da História mostra exatamente isso. Vamos lá!
Quinze dias depois do golpe militar, em 15 de abril de 1964, o Congresso Nacional dava posse na Presidência da República ao general Castelo Branco.

“Declaro empossado na Presidência da República dos Estados Unidos do Brasil sua excelência o senhor Humberto de Alencar Castelo Branco.” – Fala do presidente do Congresso Nacional.

Com esse ato, havia a pretensão de manter as aparências de uma democracia no Brasil, mesmo com a deposição do presidente João Goulart. Castelo Branco foi eleito presidente da República pelo Congresso Nacional quatro dias antes, em 11 de abril. O recém-empossado prometeu respeitar a Constituição:

“Defenderei e cumprirei com honra e lealdade a Constituição do Brasil. Caminharemos para a frente com a segurança de que o remédio para os malefícios da extrema esquerda não será o nascimento de uma direta reacionária.” – Castelo Branco.

A promessa não foi cumprida. Os militares tomaram gosto pelo poder e cancelaram as eleições presidenciais que seriam realizadas em 3 de outubro de 1965, quando poderiam devolver o poder aos civis.
Em 27 de outubro de 1965, Castelo Branco editou o Ato Institucional número 2, que acabou com as eleições diretas para presidente e governadores; extinguiu os partidos políticos, exceto dois (que passaram a se chamar Arena e MDB); transferiu para a justiça militar o julgamento de crimes contra a segurança nacional; autorizou o governo a ordenar o recesso do Congresso; e ampliou o poder do Executivo, permitindo que ele tomasse a posição do Legislativo. Assim, o presidente passou a governar com decretos-leis.

Com o AI 2, a escolha do presidente da República foi transferida do povo para o Congresso Nacional. Um Congresso Nacional sem autonomia, já que o Ato Institucional número 1, editado em 9 de abril de 1964, deixava claro que “a revolução (como eles chamavam o golpe) não procura legitimar-se através do Congresso”. O Congresso é que receberia desse ato institucional a sua legitimação, como consta de um dos trechos do AI 1.

O eleito foi o general Costa e Silva, que havia sido ministro da Guerra no governo Castelo Branco. A posse de Costa e Silva, em 15 de março de 1967, marcou o início do período mais duro da repressão política. Seu governo foi a expressão mais clara do que Castelo Branco pretendia evitar – nas suas palavras, “uma extrema-direita reacionária”.

Como disse o historiador britânico Lord Acton, “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente…” Claro que não estamos falando somente de “embolsar dinheiro público” (que também ocorreu na ditadura), mas do roubo da esperança e do sonho de escolher os governantes e de viver numa sociedade democrática.

Os golpistas sempre fazem promessas ilusórias, como a devolução do poder após livrar o país dos males que o afligem, mas, na prática, o que acontece é bem diferente. Os militares brasileiros ficaram 21 anos no comando do país, sempre reservado a um general de cinco estrelas. Um período em que milhares de pessoas foram assassinadas ou desapareceram pela ação de agentes do Estado brasileiro.
Se você ainda duvida da lição da História para não confiar nas promessas de golpistas, ouça mais um áudio do discurso de posse de Castelo Branco.

“Meu procedimento será o de um chefe de Estado sem tergiversações no processo para eleição do brasileiro a quem entregarei o cargo a 31 de janeiro de 1966.” – Castelo Branco.

Ele prometeu realizar eleições (sem criar pretexto para o cancelamento) e entregar o poder ao eleito, em 31 de janeiro de 1966 – coisas que não aconteceram.

Como foi o governo Castelo Branco? Antes do golpe, durante o governo de João Goulart, os Estados Unidos impuseram uma série de restrições ao Brasil: suspensão de créditos e financiamentos, inclusive de instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Além disso, o Brasil foi excluído da Aliança para o Progresso, um programa criado por John Kennedy para promover desenvolvimento na América Latina. O recado era claro: com Goulart no poder, o boicote foi total.
Mas bastou o golpe acontecer – com a posse de Castelo Branco – para os Estados Unidos mudarem completamente de postura.

Em poucos dias, Washington desbloqueou cerca de 147 milhões de dólares em créditos e financiamentos que estavam congelados. Esses valores vinham do Eximbank, do BID e também do FMI, graças ao peso político dos Estados Unidos nesses organismos.
Além disso, a Aliança para o Progresso foi restabelecida para o Brasil. O país voltou a receber recursos para projetos de infraestrutura, educação e saúde. Em outras palavras: a torneira voltou a jorrar.

Esse movimento mostrou, de forma tangível, que os Estados Unidos não só apoiavam o novo governo militar, como estavam dispostos a bancá-lo financeira e politicamente.
Logo após o golpe, os americanos enviaram missões técnicas e diplomáticas de alto nível para negociar com o novo governo brasileiro. Nessas reuniões, discutiu-se não apenas a retomada de financiamentos, mas também a reestruturação da política de segurança nacional.

Agentes da CIA atuaram no país como “consultores técnicos” – eufemismo usado para descrever profissionais que treinavam as forças brasileiras em técnicas de investigação e repressão. Esses treinamentos ajudaram a montar os alicerces do sistema de controle político que vigoraria durante todo o período da ditadura.
Outro ponto-chave foi o apoio norte-americano à criação e estruturação do Serviço Nacional de Informações, o SNI. Com assistência dos Estados Unidos, o Brasil criou uma das agências de inteligência mais poderosas e temidas da América Latina.
Essa colaboração incluiu envio de equipamentos, treinamento especializado e intercâmbio constante de informações. Em troca, o Brasil compartilhava dados com os Estados Unidos sobre movimentos políticos e sociais considerados “subversivos” no continente.

Um general vítima de seu labirinto? Talvez assim podemos definir os caminhos tortuosos na política construídos por Castelo Branco, que acabou não encontrando uma saída. Esse pode ter sido o destino do ex-presidente.

Quatro meses depois de deixar a presidência da República, Castelo Branco deslocava-se de uma fazenda no Ceará para Fortaleza, quando o avião que o conduzia foi atingido por um jato de treinamento da Força Aérea Brasileira. Após a colisão, em 17 de julho de 1967, a aeronave de Castelo caiu perto da capital do Ceará, matando cinco dos seis ocupantes, entre eles o ex-presidente. O jato da Força Aérea envolvido no acidente conseguiu pousar na Base de Fortaleza com a asa danificada. O piloto saiu ileso.

Os detalhes do inquérito militar que investigou as causas do acidente, conduzido numa das fases mais fechadas da ditadura militar, não foram divulgados na época. Posteriormente, foram citados muitos pontos controversos, a começar pelas circunstâncias da colisão e pelos danos sofridos pela aeronave que transportava o ex-presidente.

Houve muitas especulações, como a de que Castelo Branco estaria envolvido num movimento liderado pelo ex-senador Daniel Krieger contrário à forma como a linha dura estava conduzindo o país, sob severa repressão política e violação dos direitos humanos. O fato é que há mais dúvidas do que certezas sobre o acidente que matou o ex-presidente – que pode ter sido uma das milhares de vítimas do próprio labirinto que construiu.

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CRÉDITOS:

  • Texto, roteiro e edição de áudio: Djalba Lima
  • Efeitos sonoros: FreeSFX.co.uk
  • Áudios de personagens da história: arquivos do Senado e da Câmara dos Deputados
  • Fotos: Arquivo Nacional – autor desconhecido.

djalba.lima@gmail.com Escrito por:

5 Comentários

  1. João Carlos Ferreira da Silva
    abril 16, 2025
    Responder

    Muito bom! Continue, Djalba!

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