Podcast: Play in new window | Download
TRANSCRIÇÃO DO PODCAST
Como os ditadores recebem o “cartão vermelho” para deixar o poder? Este é o tema de hoje de Relatos – A Estação da História.
Quando os militares decidiram encerrar os 15 anos da ditadura de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, encarregaram o general Cordeiro de Farias de comunicar a decisão ao então ditador. O militar pediu ao ministro da Justiça, Agamenon Magalhães, que o acompanhasse ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então sede do governo. Chegando lá, Agamenon entrou e anunciou a Getúlio que Cordeiro de Farias trazia a posição dos generais. O presidente, que estava acompanhado de seu irmão, o coronel Benjamin Vargas, o Bejo, recebeu-o friamente.
Cordeiro de Farias contou em entrevista publicada no livro História Vivida (Lourenço Dantas Mota, O Estado de S. Paulo) o que disse a Getúlio:
“Presidente, o senhor precisa enviar uma pessoa ao Ministério da Guerra para dizer para onde deseja ir. Não há necessidade de que saia amanhã, nem depois de amanhã. Mas a guarda do Palácio já não é a mesma. E as pessoas que estão aqui, ao saírem, não poderão mais voltar.”
Um Getúlio “álgido”, como descreveu Cordeiro de Farias, limitou-se a perguntar:
“Então, é uma deposição sem sangue?”
Ao que Cordeiro de Farias respondeu:
“Sim, sem sangue, a menos que seus partidários resolvam defendê-lo. Nesse caso, vamos lutar contra eles. Mas a sua pessoa é intangível.”
Getúlio aceitou a sugestão e enviou o ministro da Justiça para negociar sua saída. Com isso, assumiu interinamente a presidência o então presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, até a realização das eleições e a posse de Eurico Gaspar Dutra, em 31 de janeiro de 1946.
Foi um “cartão vermelho” civilizado. Mas nem todos são assim tão pacíficos.
Pouco antes desse episódio, perto da meia-noite de 28 de abril de 1945, um oficial do registro civil foi levado ao Führerbunker, o complexo subterrâneo onde Adolf Hitler passou seus últimos dias. Sua missão? Realizar um casamento.
Um casamento?!
Sim, um casamento! Os noivos: Adolf Hitler e Eva Braun, que passou a se chamar Eva Hitler. A cerimônia, realizada numa pequena sala de conferências do bunker, teve como testemunhas Martin Bormann e Joseph Goebbels, expoentes do regime nazista. Segundo Rochus Misch, guarda-costas de Hitler, “após alguns minutos, o caso estava resolvido”. Os recém-casados voltaram para seus aposentos, acompanhados de alguns convidados.
Se a cerimônia foi assim tão breve, o que dizer do casamento em si? Menos de 40 horas depois, em 30 de abril de 1945, Hitler e Eva se suicidaram. Rochus Misch relatou ter visto o corpo inerte de Hitler: sentado num pequeno sofá, dobrado sobre si mesmo. Eva, encolhida no sofá ao lado, tinha os joelhos quase encostados no peito. Posteriormente, os cadáveres foram incinerados pelo ajudante pessoal de Hitler, Otto Günsche. Era o fim do Terceiro Reich, enquanto soviéticos e americanos disputavam a primazia do controle de Berlim.
Se Hitler encontrou seu fim no bunker, o ditador italiano Benito Mussolini teve um destino ainda mais brutal.
No final de abril de 1945, com a Alemanha nazista desmoronando e a Itália fascista em ruínas, Mussolini tentou fugir de seu país pela fronteira com a Suíça, junto com sua amante Clara Petacci. Mas foi capturado por partisans italianos perto da cidade de Dongo, no norte do país. No dia 28 de abril, ele e sua amante foram executados sumariamente.
Os cadáveres de Mussolini e de Clara foram levados para Milão, onde ficaram expostos em uma praça, a Piazzale Loreto, para uma multidão enfurecida que gritava insultos e atirava objetos nos corpos, pendurados de cabeça para baixo em uma viga de metal.
Um fim trágico para o ditador que, por mais de duas décadas, governou a Itália com mão de ferro.
Na Romênia, Nicolae Ceaușescu também teve um final trágico.
Nicolae e Elena Ceaușescu governaram a Romênia por mais de duas décadas, impondo um regime brutal. Mas em dezembro de 1989, um levante popular e a insatisfação dentro do próprio Exército levaram à sua captura.
Em 25 de dezembro de 1989, após um julgamento relâmpago por um tribunal militar improvisado, o casal Ceaușescu foi condenado à morte. Minutos depois, foi fuzilado por um pelotão de soldados. O julgamento e a execução foram filmados e rapidamente transmitidos ao mundo como prova do colapso do regime comunista romeno.
E não são os únicos casos. Outras figuras autoritárias também receberam o “cartão vermelho” de maneira dramática:
• Muammar Gaddafi (Líbia, 2011): capturado e linchado por rebeldes após ser arrastado para fora de um bueiro.
• Saddam Hussein (Iraque, 2003-2006): capturado dentro de um buraco por forças americanas em 2003, foi julgado e enforcado em 2006.
Ditadores podem resistir por anos, mas, quando o “cartão vermelho” chega, o poder que pareciam deter de forma absoluta simplesmente se desfaz.
E não podemos esquecer de Anastasio Somoza Debayle, o ditador da Nicarágua, que também recebeu um “cartão vermelho” brutal.
Sem dúvida! Somoza pertencia a uma dinastia que governava a Nicarágua desde os anos 1930. Mas em 1979, após anos de repressão, censura e corrupção, foi derrubado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional.
Somoza fugiu para os Estados Unidos, mas o governo americano não quis dar-lhe abrigo. Acabou exilado no Paraguai, onde pensava estar seguro sob a proteção do ditador Alfredo Stroessner.
Porém, em 17 de setembro de 1980, enquanto dirigia pelas ruas de Assunção, seu carro foi emboscado por um grupo de guerrilheiros argentinos liderados por Enrique Gorriarán Merlo, ex-integrante do Exército Revolucionário do Povo (ERP).
O ataque foi devastador: o veículo foi destruído por um disparo de lança-foguetes, e Somoza morreu na hora.
Ou seja, fugir nem sempre garante a sobrevivência… E essas histórias mostram o paradoxo trágico dos líderes que, ao buscar poder absoluto, cavam sua própria sepultura. Servem de alerta para os candidatos a ditadores, em abundância nos dias de hoje. Como está escrito em Gálatas 6:7: “Aquilo que o homem semear também poderá ceifá-lo’. A história, implacável, mostra: aqueles que governam com punhos de ferro acabam engolidos pela mesma violência que plantaram. Nas palavras de Martin Luther King Jr., ‘o arco do universo moral é longo, mas se inclina para a justiça’. E assim, mesmo que tarde, o destino dos tiranos serve de eco sombrio: seus reinos de terror terminam como começaram – em ruínas e sangue.
Exatamente, como disse o filósofo francês Jean-Paul Sartre: “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.” Ou, como diz Maria da Penha, ativista dos direitos das mulheres, “a vida começa quando a violência acaba”.
Se você tiver gostado do episódio de hoje, compartilhe-o com seus amigos. Se quiser comentá-lo, entre em relatos.blog.br e deixe sua opinião. Até o próximo episódio!

seja o primeiro a comentar