AI-5: o dia em que a ditadura tirou a máscara

Em 13 de dezembro de 1968, o Brasil atravessou uma fronteira sem retorno imediato. Naquela noite, o governo do general Artur da Costa e Silva editou o Ato Institucional nº 5, o AI-5 — o instrumento que suspendeu direitos, silenciou vozes e institucionalizou o arbítrio. Não foi apenas mais um decreto autoritário: foi a certidão oficial da ditadura em sua forma mais dura.

Cinquenta e sete anos depois, compreender o AI-5 é compreender o que é uma ditadura, como ela se constrói juridicamente e por que a memória desse período é essencial para a democracia.

O Brasil antes do AI-5: tensão, crítica e medo do dissenso

Quatro anos após o golpe de 1964, o regime militar ainda buscava uma aparência de normalidade institucional. Havia Congresso, eleições controladas, imprensa parcialmente livre. Mas essa fachada começou a ruir em 1968.

O país vivia:

• Mobilizações estudantis em várias capitais

• Greves operárias em Contagem e Osasco

• Produção cultural crítica (teatro, música, cinema, imprensa)

• Discursos cada vez mais duros no Parlamento

Para o regime, crítica passou a ser sinônimo de ameaça. O discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que denunciou abusos das Forças Armadas, foi o estopim político. O AI-5 foi a resposta: não ao discurso específico, mas à ideia de oposição.

O que é uma ditadura? O AI-5 responde

Uma ditadura não se define apenas pela presença de militares no poder. Ela se caracteriza por alguns elementos centrais, todos reunidos no AI-5:

• Concentração absoluta de poder no Executivo

• Supressão de direitos individuais

• Eliminação dos freios e contrapesos institucionais

• Criminalização da oposição

• Subordinação da Justiça ao governo

O AI-5 reuniu tudo isso em um único texto.

Congresso fechado, democracia suspensa

O ato autorizou o presidente a fechar o Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Quando isso ocorresse, o Executivo passaria a legislar sozinho, por decretos.

Na prática, a representação popular foi suspensa. O país deixou de ser governado por leis debatidas e passou a ser comandado por ordens.

Intervenção irrestrita e fim do federalismo

Governadores e prefeitos passaram a poder ser substituídos por interventores nomeados diretamente pelo presidente, sem limites constitucionais. O pacto federativo virou uma formalidade. Estados e municípios tornaram-se extensões administrativas do poder central.

Cassações, perseguições e silêncio forçado

O AI-5 permitiu:

Cassação de mandatos eletivos

• Suspensão de direitos políticos por até 10 anos

• Proibição de manifestações políticas

Sem direito de defesa. Sem julgamento. Sem prazo para acabar.

Intelectuais, professores, jornalistas, parlamentares e lideranças sindicais foram afastados, presos, exilados ou silenciados.

O ataque às instituições e ao pensamento crítico

Garantias como estabilidade, vitaliciedade e inamovibilidade foram suspensas. Isso abriu caminho para expurgos em:

• Universidades

• Judiciário

• Serviço público

• Forças Armadas

Foi uma operação de limpeza ideológica. Pensar diferente tornou-se perigoso.

Habeas corpus suspenso

Talvez o ponto mais grave do AI-5 tenha sido a suspensão do habeas corpus para crimes políticos. A partir daí:

• Prisões arbitrárias tornaram-se rotina

•A tortura passou a ser prática sistemática

• Desaparecimentos forçados foram encobertos pelo Estado

Sem habeas corpus, o cidadão deixou de ter proteção contra o poder.

Quando a Justiça é proibida de julgar

O AI-5 determinou que nenhum ato praticado com base nele poderia ser questionado no Judiciário. O governo tornou-se juiz de si mesmo.

Esse dispositivo consagra o núcleo de toda ditadura: o poder que não responde a ninguém.

Os “anos de chumbo”

O AI-5 permaneceu em vigor até 1978. Nesse período, o Brasil viveu:

• Censura prévia à imprensa, à música e ao teatro

•Prisões ilegais e centros de tortura

•Assassinatos políticos e ocultação de cadáveres

• Exílio de centenas de brasileiros

Tudo isso amparado por um texto “legal”.

Por que lembrar, 57 anos depois?

O AI-5 não é apenas um capítulo encerrado da História. Ele é um alerta permanente.

Ditaduras não começam com tanques nas ruas. Começam com discursos sobre “ordem”, “moral”, “inimigos internos” e “necessidade de medidas excepcionais”. O AI-5 mostra como o autoritarismo se constrói passo a passo – e como, quando percebido, já costuma ser tarde.

Lembrar o AI-5 não é revanchismo.
É defesa da democracia.
É memória contra o esquecimento.
É história contra a repetição.

djalba.lima@gmail.com Escrito por:

seja o primeiro a comentar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *