Brother Sam: o dia em que os EUA planejaram invadir o Brasil

TRANSCRIÇÃO DO PODCAST

E aí, pessoal! Hoje em Relatos – A Estação da História, a gente vai falar de uma treta dissimulada: a Operação Brother Sam. Imagina só… os Estados Unidos, em plena tensão da Guerra Fria, montaram um plano de contingência para dar aquela força aos conspiradores do golpe de 1964 no Brasil. O objetivo? Garantir suprimentos e apoio logístico, caso rolasse resistência. Tudo para manter a influência norte-americana na América Latina, mesmo que isso significasse violar a soberania de outro país.

A parada toda começou em 4 de novembro de 1963, quando o embaixador norte-americano Lincoln Gordon enviou ao Departamento de Estado um telegrama ultrassecreto. Nesse documento, Gordon traçou três cenários para o Brasil polarizado entre esquerda e direita, e em crise, no governo João Goulart, o Jango.

Isso mesmo. No cenário 1, Jango faria com as Forças Armadas o que na gíria norte-americana é chamado de salami-slicing method – em tradução literal, método de fatiar salame. A expressão é usada para descrever uma estratégia política em que as mudanças são introduzidas de forma gradual e quase imperceptível, evitando grandes resistências. Cada pequeno fatiamento é difícil de contestar, mas, ao longo do tempo, o resultado pode se traduzir em mudança significativa.

De acordo com o telegrama ultrassecreto de Gordon, Jango estaria usando esse método para enfraquecer e minar a influência das Forças Armadas. Militares conservadores agiriam nos bastidores para contestar essa estratégia, nas palavras de Lincoln Gordon. O embaixador previu que esses oficiais se oporiam imediatamente a um ato ilegal ou inconstitucional do presidente, como desfecho dessa política, e provavelmente convenceriam Jango a renunciar em favor do próximo na linha de sucessão.
O embaixador disse esperar que esses militares tivessem força e apoio suficientes para tornar eficaz o ultimato a Jango.

No cenário 2, Gordon fez uma previsão de um conflito semelhante a uma guerra de secessão no Brasil, ou guerra civil. Uma confederação dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul se separaria do poder central e formaria “um governo economicamente sólido e estabilizado; politica e economicamente alinhado com os Estados Unidos”.

Gordon chegou a fazer uma relação de ações que os militares norte-americanos deveriam proporcionar às forças brasileiras da confederação:
Exército: Assistir o exército confederado na defesa do complexo industrial de São Paulo; assegurar o uso ininterrupto de aeroportos e instalações portuárias em Santos; estabelecer suporte logístico em terra e fornecer treinamento e equipamentos táticos.
Marinha: Estabelecer e manter o controle das rotas marítimas, fechando a Baía da Guanabara e impedindo o uso das instalações navais pelo governo federal.
Força Aérea: Estabelecer e manter a superioridade aérea, fornecer transporte de suprimentos prioritários e proporcionar mobilidade das forças aliadas.

No cenário 3, Gordon previu um fortalecimento da oposição com a possibilidade de o governo federal adotar ações ilegais ou inconstitucionais, como o assassinato ou detenção de um governador de estado importante ou a intervenção federal por razões políticas em um governo estadual que se opunha ao governo central.

O que vale notar é que nenhum dos cenários previstos por Gordon se tornou realidade. Jango não renunciou – foi retirado do poder por um golpe de estado. A confederação dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul foi um palpite exagerado. E Jango não mandou matar nem prender nenhum governador. Também não decretou intervenção em estados governados por seus opositores. Entretanto, a Brother Sam, operação conjunta da Marinha e da Força Aérea dos Estados Unidos, saiu do papel.

Isso mesmo. O general da Força Aérea George S. Brown foi nomeado para comandar a missão, coordenada pelo Comando Sul, no Panamá. A força-tarefa naval deveria ser composta pelo porta-aviões USS Forrestal, um porta-helicópteros e seis destróieres. Estavam previstos também caças, aeronaves de transporte C-135 e aeronaves de apoio. Parte considerável de todo esse dispositivo militar deveria ficar estrategicamente posicionada na costa brasileira, mostrando apoio aos conspiradores e dando um recado bem claro para qualquer eventual resistência pró-Jango.

Quatro navios petroleiros da Marinha americana foram deslocados de Aruba, no Caribe, para a cidade de Santos, em São Paulo. A operação previa ainda o envio de 110 toneladas de armas e munições, além de gás lacrimogêneo para controle de multidões, de dez aviões de carga, de seis de reabastecimento e de mais seis aviões de guerra para o transporte do material.

A ideia era deixar tudo pronto caso as tropas brasileiras precisassem de uma ajudinha extra.

O diário de bordo do USS Forrestal registra que o porta-aviões saiu dos Estados Unidos na manhã do dia primeiro de abril. Deveria chegar ao Brasil entre os dias 11 e 13 de abril, porque o golpe estava programado para aquele mês, não para 31 de março, como aconteceu. Como se sabe, o golpe foi precipitado pelo general Olímpio Mourão Filho, comandante da Quarta Região Militar/Divisão de Infantaria, de Juiz de Fora, Minas Gerais.
O porta-aviões retornou a sua base, na Virgínia, no dia 8. Nem chegou às águas territoriais brasileiras, porque houve mais uma mudança de plano: Jango decidiu não resistir ao movimento. O general Castelo Branco passou essa informação ao embaixador Lincoln Gordon e dispensou o apoio logístico. Havia ainda um foco de resistência no Terceiro Exército, sediado no Rio Grande do Sul, que logo acabou. Com isso, foi emitida a ordem para a dissolução completa da força-tarefa naval. Os Estados Unidos ainda tentaram cobrar do Brasil o custo com a movimentação dos petroleiros, de 2 milhões e 300 mil dólares, mas acabaram desistindo.

Se a operação foi cancelada, é possível dizer que ela teve peso significativo no desfecho do golpe de 1964?

Sim, sem dúvida. Mesmo com todo o sigilo em torno da Brother Sam, existem evidências de que Jango havia sido informado da cooperação dos norte-americanos com o golpe que o retiraria do governo. Tais evidências são dadas por depoimento de personagens da época, muitos deles próximos do presidente, que o teriam avisado de que os americanos estão chegando. Essa pode ter sido uma das razões para ele não resistir – quem em sã consciência enfrentaria a maior potência militar e econômica do planeta? A outra razão é que, por conta da crise econômica agravada pelo boicote norte-americana (tema de outro episódio de Relatos), a popularidade de Jango estava em baixa. Ele não tinha força política, nem militar, para resistir.

E o que aconteceu depois?
Bem, durante muitos anos, o governo dos Estados Unidos negou qualquer envolvimento direto no golpe. Mas, com a desclassificação de documentos secretos, a verdade veio à tona. Oficialmente, os americanos alegaram que a operação era só uma precaução para proteger cidadãos dos Estados Unidos e manter a estabilidade da região. Mas os críticos, com base na divulgação dos documentos secretos, não engoliram essa história e viram a Operação Brother Sam como uma interferência descarada na soberania brasileira, dentro daquele velho jogo de manipulação política e militar dos Estados Unidos na América Latina.

E aí, o que você acha? Os Estados Unidos realmente iriam intervir se o golpe encontrasse resistência? Ou só queriam meter medo para garantir que tudo saísse como planejado? Você acha que, com Donald Trump na Casa Branca, os Estados Unidos poderão adotar hoje um tipo de estratégia semelhante à que usaram no passado? Entre em relatos.blog.br e comente. Compartilhe esse episódio com quem curte história sem enrolação!

Esse foi mais um episódio de Relatos – A Estação da História! Já ouviu falar das vivandeiras alvoroçadas? É o tema de nosso próximo episódio. Até lá!

O telegrama ultrassecreto de Lincoln Gordon

Veja o telegrama ultrassecreto que Lincoln Gordon enviou ao Departamento de Estado em 4 de novembro de 1963:


CRÉDITOS:

• Texto, roteiro e edição de áudio: Djalba Lima

• Efeitos sonoros: FreeSFX.co.uk


djalba.lima@gmail.com Escrito por:

5 Comentários

  1. Hyago Sena Cardoso
    março 13, 2025
    Responder

    Muito interessante. Não conhecia essa história com tanta profundidade. Fico feliz em extrair tanto conhecimento em detalhes, assim como foi exposto nesse podcast.

  2. Maria da Conceição Lima Alves
    abril 2, 2025
    Responder

    Adorei o podcast. Texto impecável. Muito bom. Tomara que os estudantes prestes a fazer Enem acompanhem também. Parabéns pelo trabalho.

  3. Luiz de Aquino A. Neto
    abril 3, 2025
    Responder

    Em 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, os militares tentaram o golpe ao manifestarem-se contra a posse do vice-presidente, João Goulart. O país parou desde aquele 25 de agosto até o 7 de setembro, com a aceitação, pelos ‘gorilas’, da proposta mediadora de Tancredo Neves por um regime parlamentarista transitório, que perdurou até a primeira semana de 1963, quando, em plebiscito, a nação rejeito a emenda, voltando a vigorar o regime constitucional presidencialista. Mas a cúpula conspiradora, de generais e uns poucos (mas expressivos) governadores chegou ao seu intento em 01-04-64.
    Completei 16 anos em setembro de 1964; como estudante ginasial, participava de grupos de estudos políticos e já éramos informados das movimentações dos americanos e de golpistas civis e militares em intermináveis lucubrações com vistas a interromper o caminhar democrático do Brasil. O pretexto do comunismo está bem descrito – foi o bastante para amedrontar a lideranças religiosas (católicas e protestantes) e convencer as mães do povo dos riscos de quebra da “moral cristã” pelos “comunistas”…

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