Como os civis abriram caminho para a ditadura militar

Em Areal (RJ), um padre observa a movimentação de tropas que iniciaram o golpe de 1964

TRANSCRIÇÃO DO PODCAST

Bem-vindo a Relatos – A Estação da História! Hoje vamos falar sobre algo que assombra o Brasil há décadas e, acredite, continua atual: os civis que defendem soluções golpistas para os problemas do país.

Você sabia que o marechal Castelo Branco, o primeiro presidente do regime militar de 1964, tinha um apelido curioso para esses civis? Ele os chamava de “vivandeiras alvoroçadas”! Mas o que isso significa? No passado, as vivandeiras eram aquelas pessoas que seguiam as tropas militares fornecendo mantimentos e prestando serviços. No sentido figurado, Castelo Branco usava a expressão para criticar os civis que, por conveniência ou ilusão, incentivavam os militares a tomar as rédeas da política. O resultado? “Extravagâncias do poder militar”, como ele mesmo dizia.

Pois é, extravagância do poder militar é uma forma rebuscada de falar sobre algo grave. As Forças Armadas têm um papel claro na Constituição: defender a Pátria, garantir os poderes constitucionais e, se requisitadas, manter a lei e a ordem. Mas quando extrapolam essa função, o que acontece? Ditaduras, repressão, censura… E isso já aconteceu por aqui.

Para dar o golpe de 1964, os militares contaram com a ajuda de muitos civis, como os governadores de São Paulo, Ademar de Barros; de Minas Gerais, Magalhães Pinto; e do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda; entre outros. Tiveram também a colaboração de organizações e movimentos civis que enxergavam comunistas em qualquer manifestação por Justiça social. Portanto, a fala de Castelo Branco é paradoxal: no golpe ele se valeu do auxílio de “vivandeiras” que passou a abominar. A crítica às “vivandeiras” é de agosto de 1964 – portanto, depois do golpe.

Vamos voltar ao Brasil pré-ditadura. Na década de 60, o Brasil estava fervendo politicamente. De um lado, o presidente João Goulart propunha reformas importantes, como a Reforma Agrária e o controle de remessas de lucro para o exterior.

“… pela reforma da sociedade brasileira, não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e, ao lado do povo, pelo progresso do Brasil.” [ Fala de João Goulart no discurso da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964.]

Do outro lado, as elites conservadoras viam isso como uma “ameaça comunista”. Constituíam um segmento expressivo: grandes empresários, latifundiários, imprensa e até parte da Igreja católica estavam nessa onda.

E não podemos esquecer dos Estados Unidos. O governo americano temia que o Brasil se alinhasse ao comunismo e ajudou a espalhar essa narrativa. O resultado? Uma grande campanha para convencer a classe média de que era preciso “salvar a democracia”. Mas, ironicamente, isso levou ao contrário: 21 anos de ditadura.

Em 19 de março de 1964, aconteceu a famosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Meio milhão de pessoas saíram às ruas de São Paulo apoiando a derrubada de Goulart. Empresários, religiosos, mulheres da alta sociedade, todos unidos para dar um verniz de legitimidade ao golpe que viria logo depois.

“contra a ditadura de esquerda, o comunismo ateu, perseguidor…” [orador não identificado da Marcha da Família com Deus pela Liberdade.]

E essa estratégia funcionou bem. Ao associar o golpe a valores cristãos, os organizadores conseguiram atrair mais gente. Mas o que aconteceu depois? Censura, tortura, desaparecimentos… A tal “liberdade” virou um pesadelo.

E isso tem um paralelo muito atual. Você reparou que no final de 2022 e início de 2023 tivemos algo parecido? Manifestações que pediam intervenção militar, com slogans religiosos e um discurso de “defesa da liberdade”?

Sim! Parece um roteiro repetido. Em 2022, depois que Bolsonaro perdeu as eleições, vimos grupos se aglomerando na porta de quarteis, rezando e pedindo que os militares “salvassem o Brasil”. Um déjà vu da Marcha de 64.

A tática é a mesma: misturar Deus e liberdade para legitimar algo que, na verdade, é contra a democracia. O próprio Castelo Branco criticava essas vivandeiras alvoroçadas, mas elas seguem ativas, prontas para empurrar os militares para o poder, sempre que uma oportunidade surge.

O que a história nos ensina? Que democracia não é algo garantido. É preciso lutar por ela todos os dias, reconhecer os discursos e as práticas que visam miná-la e impedir que o passado se repita. Uma frase atribuída ao estadista britânico Winston Churchill define bem a situação: “A democracia é o pior dos regimes, exceto todos os outros”. A democracia é imperfeita? Sim, certamente. Cabe-nos aperfeiçoá-la e não destruí-la. Fora dela, não há salvação.

E você, ouvinte, o que acha desse papel dos civis que empurram os militares para “extravagâncias do poder”? O que podemos aprender com esses momentos da história? Entre em relatos.blog.br e conte pra gente nos comentários. E até o próximo episódio de Relatos – A Estação da História! Fique ligado!


CRÉDITOS:

  • Texto, roteiro e edição de áudio: Djalba Lima
  • Efeitos sonoros: FreeSFX.co.uk

djalba.lima@gmail.com Escrito por:

2 Comentários

  1. Hyago Sena Cardoso
    março 13, 2025
    Responder

    Ponto crucial da história que necessariamente precisa ser disseminado para que as pessoas se interem e comecem a refletir sobre o que falam ou criticam sem saber. Muito bom!

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