Silêncio suspeito: a história do dossiê que a CIA não quer revelar

TRANSCRIÇÃO DO PODCAST

Samara: Imagine isso: você está investigando o maior crime político do século XX. Descobre que um agente da CIA financiava o grupo que teve contato direto com o suposto assassino… e que esse mesmo agente foi depois colocado como fiscal da investigação do Congresso – em segredo.

Djalba: É como colocar alguém sob suspeição como o investigador ou o juiz do próprio caso – e depois esconder isso por décadas.

Samara: Pois é. Esse não é o enredo de um filme. É real. E quem tenta desvendar essa trama é um jornalista chamado Jefferson Morley.

Djalba: A história dele é a história de uma batalha solitária contra o silêncio da CIA. Um silêncio que resiste, mesmo depois de promessas de transparência e da liberação de milhares de documentos. O que a agência ainda esconde sobre a morte do presidente norte-americano John Kennedy, em 1963?

Samara: Hoje, em Relatos – A Estação da História, você vai entender por que esse caso pode ser o ponto de ruptura da versão oficial. E como um arquivo trancado há mais de 60 anos pode mudar tudo o que achamos que sabíamos sobre esse episódio.

Djalba: Às vezes, o mais perigoso não é o que está nos documentos – mas o que continua faltando neles.

Samara: Jefferson Morley é um jornalista experiente; trabalhou anos no Washington Post e se especializou em inteligência americana. Mas o que o tornou conhecido mesmo foi sua batalha judicial contra a CIA, centrada num personagem pouco conhecido do grande público: George Joannides. O nome não soa familiar para muita gente. Quem era ele?

Djalba: Era um norte-americano filho de gregos. Como oficial da CIA, atuava na JM/WAVE, codinome de uma estação da agência que, nos anos 1960, operava no campus da Universidade de Miami (Coral Gables) sob a fachada de um “centro de pesquisa oceânica” chamado Zenith Technical Enterprises. A JM/WAVE atuava em atividades como treinamento de exilados cubanos para infiltrações em Cuba; sabotagem de infraestrutura cubana (refinarias, navios, cabos de comunicação); operações de guerra psicológica (propaganda, panfletos, rádios clandestinas); e financiamento e coordenação de grupos de jovens anticastristas. Lá, George Joannides dava suporte e orientação ao DRE, iniciais de Diretório Revolucionário Estudantil, um grupo de cubanos exilados. O curioso é que esse mesmo grupo teve contato com Lee Harvey Oswald semanas antes do assassinato de Kennedy.

Samara: O mesmo Oswald que depois mataria John Kennedy, correto?

Djalba: Exatamente. E tem mais: anos depois, em 1978, Joannides, que já estava aposentado, foi reconvocado pela CIA e nomeado como o elo da agência com a comissão da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos que investigava o assassinato de Kennedy. Só que ninguém sabia de seu envolvimento no passado com o DRE. Nem os parlamentares. Isso só veio à tona décadas depois.

Samara: Também não se sabia das conexões de Lee Harvey Oswald com o DRE apoiado financeiramente por George Joannides…

Djalba: E é isso que Morley tenta desvendar. Desde os anos 1990, com base na Lei de Liberdade de Informação (a FOIA),ele busca ter acesso ao chamado “Joannides file”. São cerca de 44 documentos que, segundo ele, revelariam o papel do agente na manipulação da narrativa oficial sobre Oswald e o DRE.

Samara: E a CIA? O que diz?

Djalba: Resiste. Diz que os documentos ainda contêm informações sensíveis: nomes de agentes, métodos operacionais, possíveis riscos à segurança nacional. Chegaram até a usar o famoso “Glomar response” – uma forma evasiva de responder a um pedido de informação, em que a entidade solicitada se recusa a confirmar ou negar a existência de registros ou informações relacionadas à solicitação. O termo se popularizou com a resposta da CIA a outro pedido de informações – sobre o projeto Glomar Explorer, um navio de salvamento construído para recuperar um submarino soviético afundado. Ou seja, não nega, nem confirma.

Samara: Mas essa briga judicial já dura mais de 20 anos, não é?

Djalba: Começou em 2003. Em 2007, Morley conseguiu uma vitória parcial, e a CIA liberou cerca de 300 páginas – mas não o que ele mais queria: os registros internos sobre Joannides. Em 2014, a Justiça decidiu que a CIA poderia manter os documentos sob sigilo.

Samara: E aí veio 2025. O que mudou?

Djalba: O presidente norte-americano Donald Trump liberou uma nova leva de documentos sobre o assassinato de John Kennedy. A maior parte foi desclassificada – mas, ironicamente, o “Joannides file” continua trancado a sete chaves. E isso reacendeu o debate.

Samara: Inclusive porque agora se sabe mais sobre a atuação da CIA no México e em outras frentes…

Djalba: Perfeito! Documentos liberados em 2025 indicam, por exemplo, que a agência tinha um esquema de escuta nas embaixadas cubana e soviética na Cidade do México, com apoio de um sacerdote católico usado como informante. Isso mostra que a CIA monitorava os passos de Oswald muito antes do atentado.

Samara: Ou seja, não dá mais para sustentar a ideia de que a agência foi pega de surpresa com o assassinato.

Djalba: E Jefferson Morley é categórico:

“Não estou dizendo que Joannides matou Kennedy. Estou dizendo que a CIA sabotou a investigação do Congresso. E o público tem o direito de saber por quê.”

George Joannides morreu em 9 de março de 1990, aos 67 anos.

Samara: E a disputa Morley x CIA sobre o papel de Joannides nesse episódio ainda continua?

Djalba: Sim, em maio de 2025, o caso foi retomado na Justiça Federal de Washington. O juiz pediu explicações adicionais da CIA sobre a suposta “ameaça à segurança nacional” representada por documentos de 60 anos atrás. Pela primeira vez, há sinais de que parte do material pode ser liberada ainda este ano.

Samara: E por que tudo isso importa?

Djalba: Porque o caso Joannides é visto como a chave para entender o que a CIA sabia – e escondeu. Não se trata de provar uma conspiração, mas de mostrar que a agência pode ter obstruído a busca pela verdade. E isso, num Estado democrático, é inaceitável. Como dizia o jornalista I.F. Stone: “Governos mentem”. Cabe ao jornalismo e à sociedade exigir respostas.

Samara: Até o próximo caso. Se quiser comentar esse episódio, entre em relatos.com.br e deixe sua opinião. Se gostou, compartilhe com amigos.

Créditos:
Relatos – A Estação da História

  • Texto, roteiro e edição de áudio: Djalba Lima
  • Efeitos sonoros: Free SFX.co.uk
djalba.lima@gmail.com Escrito por:

Um comentário

  1. Edson Luiz de Almeida
    julho 3, 2025
    Responder

    Enredo perturbador. Quero ver o final dessa história!

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