Podcast: Play in new window | Download
A queda de Getúlio Vargas, 80 anos atrás, inaugurou o padrão brasileiro de ruptura: pactos de elites decidindo o destino do país enquanto o povo dançava ao som da modernidade que chegava do rádio.
TRANSCRIÇÃO DO PODCAST
DJALBA: 29 de outubro de 1945 – oitenta anos atrás.
A ditadura do Estado Novo chega ao fim.
E o Brasil assiste à queda de Getúlio Vargas, Mas não como nas deposições épicas dos filmes, nas barricadas, ou nos levantes de massas espontâneos.
Aqui, o fim sempre acontece em silêncio. Nos subterrâneos ou nos corredores fechados do poder.
Hoje vamos entender por que essa queda não foi apenas o fim de Vargas, mas o início de um padrão que regeria a política brasileira ao longo do século 20.
SAMARA: Vargas governava o Brasil havia 15 anos. Era o Estado Novo, um regime autoritário, centralizador, que suspendeu eleições, fechou o Congresso, censurou a imprensa e perseguiu adversários.
Mas o mundo mudou durante a Segunda Guerra Mundial.
DJALBA: O Brasil estava mandando soldados para lutar contra o nazifascismo na Europa ao lado das grandes democracias.
E internamente, aqui dentro, vivíamos sob uma ditadura.
Essa contradição explodiu.
SAMARA: O cenário não era marcado apenas pela oposição de intelectuais, estudantes, políticos liberais ou militares insatisfeitos.
Havia nesse cenário também o outro lado, o reverso da moeda: o Queremismo!
Era um movimento híbrido – que vinha tanto das bases populares, sindicatos urbanos, quanto de setores mobilizados por dentro do próprio Estado Novo – e cujo slogan era direto:
“Queremos Getúlio!”
Era um movimento pela continuidade da ditadura, porque Getúlio era visto por amplas camadas como o “pai dos pobres”.
DJALBA: E tem um ponto que explica por que Getúlio tinha essa força popular real. Não era só propaganda. Não era apenas mito construído. Ele se tornou, para milhões de brasileiros, o “pai dos pobres” porque foi no governo dele que os direitos trabalhistas foram consolidados.
Em 1º de maio de 1943, Vargas assina a CLT — a Consolidação das Leis do Trabalho — reunindo direitos como jornada de 8 horas, férias, descanso remunerado, proteção do trabalho do menor e da mulher.
Muitos desses direitos já vinham sendo reivindicados nas décadas anteriores… mas foi Getúlio quem transformou tudo isso em lei.
Para o trabalhador urbano brasileiro, aquilo teve impacto imediato e concreto.
E essa memória social não se desfaz fácil.
Ou seja: Vargas não caiu sozinho.
• Ele tinha rua.
• Ele tinha base.
• Ele tinha massas.
E isso torna o episódio ainda mais singular.
SAMARA: Mas, mesmo com apoio popular, o desgaste era insustentável.
A cúpula militar, setores civis da elite política e econômica decidiram que o ciclo Vargas tinha terminado.
E então chega a cena mais tensa desse capítulo: o aviso final.
DJALBA: O general Cordeiro de Farias é encarregado de ir pessoalmente ao Palácio do Catete. Ele leva junto o ministro da Justiça, Agamenon Magalhães.
Chegam ao Catete.
Entram.
Vargas está acompanhado do seu irmão, o coronel Benjamin Vargas.
E então, Cordeiro de Farias dá o recado final, como relataria mais tarde no livro “História Vivida” (*).
“Presidente, o senhor precisa enviar uma pessoa ao Ministério da Guerra para dizer para onde deseja ir. Não há necessidade de que saia amanhã, nem depois de amanhã. Mas a guarda do Palácio já não é a mesma. E as pessoas que estão aqui, ao saírem, não poderão mais voltar.”
Um Getúlio “frio” pergunta:
“Então, é uma deposição sem sangue?”
E Cordeiro responde:
“Sem sangue. A não ser que seus partidários resolvam defendê-lo. Nesse caso, vamos lutar contra eles. Mas a sua pessoa é intangível.”
DJALBA: Sem alternativa, Getúlio aceita. O presidente do Supremo Tribunal Federal assume interinamente. E o general Eurico Gaspar Dutra seria eleito depois, em 1946.
Mas a história não fecha aqui.
Porque Getúlio volta.
SAMARA: Ele retorna pelo voto direto em 1951.
E enfrenta um ambiente político ainda mais inflamado, dividido, ideológico, hostil e cheio de pressões – internas, externas, empresariais, militares, midiáticas.
O segundo governo de Vargas caminha sobre carvão em brasa.
DJALBA: Até que em 24 de agosto de 1954 — no auge da crise — Vargas se mata no Catete.
O suicídio vira ato político.
E muitos historiadores defendem que esse gesto retardou o golpe militar em cerca de 10 anos.
SAMARA: E há uma evidência histórica que reforça essa tese: a Novembrada de 1955.
Foi quando o marechal Henrique Teixeira Lott agiu para abortar uma nova ruptura institucional com objetivo de impedir a posse de Juscelino Kubitschek, eleito democraticamente em 3 de outubro de 1955. Isso foi chamado de “contragolpe preventivo”!
Ou seja:
O golpe que tentaram fazer em 1954… só se materializaria em 1964.
DJALBA: Por que isso importa hoje?
Porque a queda de Vargas não é apenas uma página distante do passado.
Ela inaugura um modelo de como o poder muda no Brasil.
Aqui, não é a insurreição popular que derruba governos.
Não é o enfrentamento ideológico cara a cara na rua.
Não é o povo que decide o fim de um regime.
É o pacto de elites.
• 1945 foi pacto de elites.
• 1954 foi tentativa de pacto de elites interrompida pelo suicídio.
• 1955 foi disputa interna dentro das elites.
• 1964, pacto de elites consolidado.
E se a gente olha com cuidado…
esse padrão não sumiu.
Ele só mudou de linguagem.
Mudou de “estética”.
Mudou de justificativa moral.
O Brasil muda de ciclo quando grupos restritos – militares, políticos, empresariais, juristas estratégicos – decidem que o ciclo acabou.
E o povo… só é chamado depois para legitimar o que já foi resolvido.
No Brasil, a história não costuma mudar no palanque.
Ela muda antes:
• Na “sombra”.
• No subterrâneo.
• Onde poucos decidem… e todos pagam a conta.
DJALBA: Eu sou Djalba Lima, editor de Relatos – A Estação da História.
SAMARA: Eu sou Samara. Você ouviu Relatos – A Estação da História. Se tiver gostado, compartilhe este episódio com amigos. Se quiser comentar, deixe sua opinião em relatos.blog.br
SAMARA: Antes de encerrar definitivamente, vale uma última “palavra” para o ouvinte guardar na memória:
• 1945 não é só política.
• 1945 também é música.
O Brasil daquela época era o Brasil do rádio como força dominante.
E um ritmo estrangeiro, vindo dos Estados Unidos, invade o país pela porta sonora da Segunda Guerra: o boogie woogie.
A canção Boogie Woogie na Favela, sucesso de 1945, mistura essa batida americana com o samba carioca.
Naquele mesmo ano em que cai o Estado Novo… o país estava descobrindo um novo ritmo.
E dançando — mesmo sem perceber — dentro de um mundo que mudava lá fora.
Por isso escolhemos essa música como tema.
Porque ela é o retrato sensível de uma transição silenciosa:
o Brasil mudava de tempo — e também mudava de som.
[Segue trecho da música Boogie woogie na favela.]
DJALBA: O autor da música Boogie woogie na favela é Denis Brean. A gravação original mais conhecida é a de Cyro Monteiro, lançada em 1945.
{Segue trecho da música]
(*) A História Vivida (I) – Lourenço Dantas Mota (coordenador) – Ed. O Estado de S. Paulo

Relato muito importante para se entender o Brasil. Parabéns, Djalba!
Parabéns Djalba. Ótimo relato histórico. Muito oportuno para o nosso atual cenário político. No que se refere ao pacto das elites. E achei interessante abrir e fechar com uma música de referência histórica. A música sempre marca os grandes momentos. Grande abraço. E saiba que você contribui muito para a elucidação do conturbado passado politico brasileiro.