Por DJALBA LIMA (*)
Há derrotas que honram mais do que muitas vitórias.
E há vitórias que envergonham mais do que qualquer derrota.
A política, especialmente a brasileira, insiste em nos lembrar disso. Mas esse dilema não é apenas político: é filosófico. É moral. É civilizatório. Diversos pensadores, de Sócrates a Hannah Arendt, lembram que a dignidade humana está menos naquilo que conquistamos e mais no modo como escolhemos agir.
O filósofo Michael Sandel costuma dizer que uma sociedade justa não é aquela que sempre “vence”, mas aquela que escolhe corretamente mesmo quando paga um preço alto por isso. Não é à toa que, ao analisar decisões morais difíceis, Kant insistia no imperativo categórico: fazer o certo simplesmente porque é certo, independentemente das consequências.
Essa ideia reaparece em estudos contemporâneos de ética pública. Pesquisas de Jonathan Haidt mostram que o senso de “justiça moral” é mais profundo do que preferências políticas; é um instinto humano ancestral. Comunidades prosperam quando protegem princípios, não quando se rendem a vantagens imediatas.
E essa lente filosófica cai como uma luva para o Brasil de agora.
A vitória política que é uma derrota nacional
A derrubada, pelo Congresso, dos vetos de Lula à lei ambiental parece, à primeira vista, apenas mais um capítulo da disputa entre Executivo e Legislativo. Mas é muito mais grave: transforma uma vitória parlamentar em derrota civilizatória.
Ao rejeitar dispositivos que protegiam florestas, água, povos indígenas, licenciamento responsável e critérios científicos, o Congresso não derrubou o governo. Derrubou a chance de o Brasil se comportar como guardião de si mesmo.
A questão aqui não é ideológica. É moral.
Em tempos de emergência climática, quando a ciência alerta para limites já ultrapassados, vencer flexibilizando o que deveria ser protegido não é vitória – é renúncia. É abrir mão do futuro para garantir aplausos no presente.
E nada mais perigoso do que um país que escolhe vencer do lado errado da história.
A filosofia, a política e a escolha de perder com dignidade
Os romanos já sabiam: errare humanum est, perseverare diabolicum. Errar é humano; insistir no erro é desumanizar o futuro.
Søren Kierkegaard escreveu que “a maior forma de desespero é perder-se a si mesmo”. Aplicado à política, isso significa realinhar ações aos princípios que afirmamos defender – e não apenas aos interesses de quem momentaneamente se beneficia.
A pergunta que deveríamos fazer ao analisar decisões como essa é simples e profunda:
– De que lado queremos estar quando a história nos julgar?
Porque ser derrotado pelas coisas certas – pela ciência, pela preservação, pela ética, pela proteção aos povos originários e às gerações futuras – é infinitamente mais honroso do que vencer pelos caminhos fáceis e destrutivos.
E então chega Darcy Ribeiro
Poucos brasileiros entenderam tão bem o “fracasso virtuoso” quanto Darcy Ribeiro. Ele tentou alfabetizar, proteger indígenas, criar universidades, fortalecer a soberania nacional – e perdeu. Perdeu inúmeras vezes.
Mas ele sabia o que muitos ainda não sabem: quem perde tentando salvar o país jamais é derrotado. Derrotado é quem vence destruindo-o.
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”— Darcy Ribeiro
Ao olhar para as escolhas ambientais do Congresso, a frase de Darcy deixa de ser apenas memórias de um intelectual teimoso. Torna-se advertência. Torna-se bússola.
Porque, no fim, o sentido moral permanece intacto:
É melhor ser derrotado defendendo o certo do que vencer promovendo o errado.
É melhor fracassar ao tentar salvar o Brasil do que triunfar contribuindo para destruí-lo.
(*) DJALBA LIMA é jornalista e editor de Relatos – A Estação da História

Parabéns, Djalba. Excelentes reflexões.
Obrigado.
Excelente texto, apropriadíssimo para o atual momento da vida brasileira, quando a política (talvez até pelo fato de, naturalmente, intervir diretamente nos nossos quotidiano e futuro) expõe condutas e pronunciamentos confrontantes com os princípios indispensáveis para a preservação das boas relações. Entendo que a falência dos valores foi profundamente plantada na sociedade brasileira quando os dirigentes daqueles anos de 1964 a 85 vilipendiaram o respeito ao próximo, com as pregações das desavenças, o arbítrio que permitiu a censura, as prisões sem justiça, as humilhações e torturas e os assassinatos sob as mais sórdidas maneiras. Ponto crucial naqueles procederes foras as reformas nos três níveis de ensino, implantadas sob o período mais cruel da ditadura (Médici).
Obrigado.
Parabéns Djalba!!
Execelentes e bem atuais as reflexões
Obrigado.