Por DJALBA lIMA (*)
O novo Big Stick de Trump não é apenas a imposição de poder militar. É a consolidação de uma agenda regressiva que atravessa meio ambiente, ciência, direitos sociais e política internacional – e o maior risco está na passividade das sociedades que o aceitam.
No início do século XX, Theodore Roosevelt, que governou os Estados Unidos de 1901 a 1909, consolidou a doutrina do Big Stick: “fale suavemente e carregue um grande porrete”. Era a tradução perfeita da postura de Washington em relação à América Latina e ao Caribe – diálogo sempre subordinado à ameaça da força militar. Mais de cem anos depois, o governo Trump resgata essa lógica sem pudor, inaugurando aquilo que pode ser descrito como a Era dos Retrocessos.
Não se trata apenas de uma política externa agressiva. O que se vê é um projeto mais amplo, que combina retrocesso ambiental, social, político e científico com uma diplomacia de imposição, como se o tempo tivesse voltado às décadas em que o Pentágono ditava o destino de repúblicas latino-americanas.
O “quintal” de volta
O episódio mais emblemático veio recentemente com as declarações do secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, à Fox News. Ao afirmar que a América Latina é o “quintal” de Washington e que deve ser “recuperada” da China, ele não apenas revive a retórica imperial, mas escancara a crença de que países da região não têm soberania plena.
No Brasil, a intervenção é explícita: pressões sobre o Judiciário, críticas ao julgamento de Jair Bolsonaro e tentativas de enquadrar decisões internas como se fossem afrontas aos interesses dos EUA. Na Venezuela, sanções e ameaças de ação direta reforçam a visão de que a força, e não a diplomacia, é a linguagem preferida da Casa Branca.
Na era Trump, o Grande Porrete não é só militar: é também ambiental, social, científico e ideológico.
A agenda ambiental é um dos pontos mais dramáticos desse retrocesso. O governo Trump promoveu:
• o abandono de acordos internacionais de combate às mudanças climáticas;
• a defesa aberta dos combustíveis fósseis contra energias renováveis;
• a retórica negacionista em contraponto a consensos científicos sobre o aquecimento global.
Essa postura não apenas compromete compromissos globais, mas abre caminho para que governos latino-americanos – como já ocorreu no passado recente no Brasil – sintam-se autorizados a fragilizar suas próprias políticas ambientais.
Retrocessos sociais e políticos
A lógica do Big Stick atual não é só militar: é cultural e ideológica. Em nome de uma cruzada moralista, os EUA sob Trump relativizam conquistas sociais históricas, estimulam pautas regressivas de exclusão e legitimam lideranças autoritárias mundo afora.
A diplomacia da força vem acompanhada da diplomacia do retrocesso, que prega valores “tradicionais” como escudo para desmontar avanços em direitos humanos, diversidade e inclusão.
Retrocessos científicos
Outro campo atacado é o da ciência. Cortes de financiamento em pesquisa e inovação, recuos em programas de saúde pública e até a decisão de retirar investimentos em vacinas expõem a lógica imediatista e populista da política atual.
Trata-se de uma estratégia perigosa: o abandono deliberado da ciência como eixo civilizatório. E isso não apenas dentro dos EUA — o impacto se estende ao mundo, reduzindo a cooperação internacional e fragilizando a resposta a futuras pandemias.
Uma sociedade anestesiada
Talvez o aspecto mais inquietante não esteja propriamente nos Estados Unidos, mas no Brasil. Parcela significativa da população brasileira – que na década de 1960 viu estudantes, trabalhadores e intelectuais se mobilizarem contra a ingerência norte-americana – hoje assiste passivamente ao renascimento do Big Stick.
Naqueles anos, a operação do Estados Unidos que apoiou o golpe de 1964 gerou indignação pública e resistência em várias frentes, mesmo sob censura e repressão. Nos anos 1970, a denúncia de pactos como o acordo nuclear Brasil-Alemanha, sabotado pelos EUA, mobilizou setores políticos e acadêmicos.
Hoje, ao contrário, a reação parece anestesiada. A sociedade brasileira, que enfrenta crises internas e uma polarização corrosiva, assiste à ingerência americana como se fosse natural – ou até legítima. Grupo parlamentar que apoia Jair Bolsonaro no Congresso chegou a aplaudir Trump pelas sanções contra o Brasil, como a imposição de taxa de 50% sobre produtos brasileiros e a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
O contraste é gritante: enquanto o Canadá rejeitou o trumpismo nas urnas, o Brasil assiste de braços cruzados.
O contraste fica ainda mais evidente quando se observa o caso canadense. Em 2025, o candidato identificado com as pautas trumpistas foi derrotado justamente por ser percebido como um risco à soberania e à democracia do país. A população rejeitou de forma clara a exportação do trumpismo, mostrando que ainda existem barreiras cívicas firmes contra retrocessos.
Por que no Canadá a sociedade reagiu com vigor democrático, enquanto no Brasil prevalece a posição ambígua sobre a intervenção de Washington? A resposta talvez esteja na erosão lenta, mas persistente, da confiança social e na naturalização da tutela externa, fruto de décadas de dependência econômica e tecnológica.
Cumplicidade com o agressor
O novo Big Stick de Trump não é apenas a imposição de poder militar. É a consolidação de uma agenda regressiva que atravessa meio ambiente, ciência, direitos sociais e política internacional.
Pior: encontra terreno fértil em sociedades fragilizadas, como a brasileira, onde a aceitação passiva substituiu a indignação cívica.
Se na era Roosevelt o Big Stick era símbolo da força militar, na era Trump ele se converteu em símbolo de retrocesso civilizatório. E o maior risco não é a imposição de fora para dentro, mas o consentimento silencioso de dentro para fora.
E você, o que pensa sobre a volta do Grande Porrete?
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(*) DJALBA LIMA é jornalista.
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Temos q reagir a essa pressão insana dos EUA, mostrando q o mais forte e importante passo é o fortalecimento da soberania brasileira sempre.
Perfeito, Dairan.
Como sempre, excelentes texto e capacidade de análise. Realmente, a era Trump aponta para um retrocesso civilizatório. E o consentimento interno de parte da sociedade é o mais grave, baixa a viglância da nação.
Obrigado, Davi.
Valeu, meu amigo! Sempre muito contundente e claro em suas colocações. Obrigado! Vozes como a sua nos ajudam entender melhor a situação em nosso País.
Obrigado, Dinamarques!
Excelente artigo, Djalba.
Tem um procurador da República, o Vladimir Aras, que defende que o modelo do Trump é o Willian McKinley, que decidiu anexar as Filipinas depois de vencer a guerra contra a Espanha.
O Gore Vidal conta que na época jornalistas perguntaram por que anexar, em vez de manter o país “independente” sob influência dos Estados Unidos. Ele teria respondido: para cristianizar os filipinos. Os jornalistas argumentaram que os filipinos já eram católicos romanos. E ele rebateu: justamente, vamos cristianizá-los.
Obrigado, Dourivan.
Muito bom, Djalba! Dentro das minhas possibilidades, já vou espalhar.
Obrigado, João Carlos.
Temos que nos unir e tomar o porrete dessa horda de fascistas. E ensinar a eles como se constrói uma democracia. Quem tem um Supremo “Pato Manco” que não conseguiu deter o Golpista deles acha que seria simples afrontar o nosso aqui, que está dando aulas de como preservar a nossa Soberania.
A sociedade brasileira precisa ser alertada e conscientizada do perigo que estamos correndo. Precisamos sair dessa letargia urgente!